sábado, 29 de março de 2008

A Cidade do Mar



Olhai! a Morte edificou seu trono
numa estranha cidade solitária
por entre as sombras do longínquo oeste.
Lá, os bons, os maus, os piores e os melhores,
foram todos buscar repouso eterno.
Seus monumentos, catedrais e torres
(torres que o tempo rói e não vacilam!)
em nada se parecem com os humanos.
E em volta, pelos ventos olvidadas,
olhando o firmamento, silenciosas
e calmas, dormem águas melancólicas.


Ah! luz nenhuma cai do céu sagrado
sobre a cidade, em sua imensa noite.
Mas um clarão que vem do oceano lívido
invade dos torreões, silentemente,
e sobe, iluminando capitéis,
pórticos régios, cúpulas e cimos,
templos e babilônicas muralhas;
sobe aos arcos templos magníficos, sem conta,
onde os frios se enroscam e entretecem
de vinhedos, violetas, sempre-vivas.


Olhando o firmamento, silenciosas,
calmas, dormem as águias melancólicas.
Torreões e sombras tanto se confundem
que é tudo como solto nos espaços.
E a Morte, do alto de soberba torre,
contempla, gigantesca, o panorama.
Lá, os sepulcros e os templos se escancaram
mesmo ao nível das águas luminosas;
mas não pode a riqueza portenhosa
dos ídolos com olhos de diamante,
nem das jóias que riem sobre os mortos,
tirar as vagas de seu leito imóvel;


pois, ai! nem leve movimento ondula
esse imenso deserto cristalino!
Nem ondas falam de possíveis ventos
sobre mares distantes, mais felizes;
ondas não contam que existiram ventos
em mar de menos espantosa calma.


Mas, vede! Um frêmito percorre os ares.
Uma onda... Fez-se ali um movimento!
e dir-se-ia que as torres vacilaram
e afundaram de leve na água turva,
abrindo com seus cumes, debilmente,
um vazio nos céus enevoados.
As ondas têm, agora, luz mais rubra,
as horas fluem, lânguidas e fracas.
E quando, entre gemidos sobre-humanos,
a cidade submersa for fixar-se no fundo,
o Inferno, erguido de mil tronos,
curvar-se-á, reverente.




Allan Poe

quinta-feira, 27 de março de 2008

O Amor





Um dia, quem sabe,
ela, que também gostava de bichos,
apareça
numa alameda do zoo,
sorridente,
tal como agora está
no retrato sobre a mesa,

Ela é tão bela,
que, por certo, hão de ressuscitá-la.

Vosso Trigésimo Século
ultrapassará o exame
de mil nadas,
que dilaceravam o coração.

Então,
de todo amor não terminado
seremos pagos
em enumeráveis noites de estrelas.

Ressuscita-me,
nem que seja só porque te esperava
como um poeta,
repelindo o absurdo quotidiano!


Ressuscita-me,
nem que seja só por isso!

Ressuscita-me!
Quero viver até o fim o que me cabe!

Para que o amor não seja mais escravo
de casamentos,
concupiscência,
salários.

Para que, maldizendo os leitos,
saltando dos coxins,
o amor se vá pelo universo inteiro.

Para que o dia,
que o sofrimento degrada,
não vos seja chorado, mendigado.

E que, ao primeiro apelo:
- Camaradas!

Atenta se volte a terra inteira.
Para viver
livre dos nichos das casa.

Para que doravante
a família seja o pai,
pelo menos o Universo;
a mãe,
pelo menos a Terra.


(Maiakóvski)

quinta-feira, 20 de março de 2008

Comumente é assim





Cada um ao nascer
traz sua dose de amor,

mas os empregos,
o dinheiro,
tudo isso,
nos resseca o solo do coração.

Sobre o coração levamos o corpo,
sobre o corpo a camisa,
mas isto é pouco.

Alguém
imbecilmente
inventou os punhos
e sobre os peitos
fez correr o amido de engomar.

Quando velhos se arrependem.
A mulher se pinta.
O homem faz ginástica
pelo sistema Muller.

Mas é tarde.
A pele enche-se de rugas.

O amor floresce,
floresce,
e depois desfolha.


(Maiakóvski)