quinta-feira, 1 de outubro de 2009

Leitura




“Era um quintal ensombrado, murado alto de pedras.
As macieiras tinham maçãs temporãs, a casca vermelha
de escuríssimo vinho, o gosto caprichado das coisas
fora do seu tempo desejadas.

 
Ao longo do muro eram talhas de barro.

 
Eu comia maçãs, bebia a melhor água, sabendo
que lá fora o mundo havia parado de calor.
Depois encontrei meu pai, que me fez festa
e não estava doente e nem tinha morrido, por isso ria,
os lábios de novo e a cara circulados de sangue,
caçava o que fazer pra gastar sua alegria:
onde está meu formão, minha vara de pescar,
cadê minha binga, meu vidro de café?

 
Eu sempre sonho que uma coisa gera,
nunca nada está morto.

 
O que não parece vivo, aduba.

 
O que parece estático, espera.”







(Adélia Prado)

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