sábado, 12 de abril de 2008

Epigramas



Epigrama no. 1


Pousa sobre esses espetáculos infatigáveis
uma sonora ou silenciosa canção:

flor do espírito, desinteressada ou efêmera.

Por ela, os homens te conhecerão.
Por ela, os tempos versáteis saberão

que o mundo ficou mais belo, ainda que inutilmente,

quando por ele andou teu coração.




Epigrama no. 2


És precária e veloz, Felicidade.
Custas a vir e, quando vens, não te demoras.
Foste tu que ensinaste aos homens que havia tempo,
e, para te medir, se inventaram as horas.

Felicidade, és coisa estranha e dolorosa:
Fizeste para sempre a vida ficar triste:
Porque um dia se vê que as horas todas passam,

e um tempo despovoado e profundo, persiste.


Epigrama no. 3


Mutilados jardins e primaveras abolidas

abriram seus miraculosos ramos

no cristal em que pousa minha mão.
(Prodigioso perfume!)

Recompuseram-se tempos, formas, cores, vidas...

Ah, mundo vegetal, nós, humanos, choramos,

só da incerteza da ressurreição.





Epigrama no. 4


O choro vem perto dos olhos

para que a dor transborde e caia.


O choro vem quase chorando

como a onda que chora na praia.


Descem dos céus ordens augustas

e o mar chama a onda para o centro.


O choro foge sem vestígios,

mas levando náufragos dentro




Epigrama no. 5


Gosto de gota d'água que se equilibra

na folha rasa, tremendo ao vento.


Todo o universo, no oceano do ar,
secreto vibra:
e ela resiste, no isolamento.

Seu cristal simples reprime a forma no instante incerto
pronto a cair, pronto a ficar, límpido e exato.

E a folha é um pequeno deserto,
para a imensidade do ato.



Epigrama no. 6


Nestas pedras caiu, certa noite, uma lágrima.

O vento que a secou deve estar voando em outras países,

o luar que a estremeceu em teus olhos brancos de cegueira-
esteve sobre ela, mas não viu seu esplendor.


Só, com a morte do tempo,
os pensamentos que a choraram verão,
junto ao universo, como foram infelizes,
que uma lágrima foi, naquela noite, a vida inteira,
tudo quanto era dar, - a tudo que era opor.



Epigrama no. 7


A tua raça de aventura

Quis ter a terra, o céu, o mar...
Na minha, há uma delícia obscura
em não querer, em não ganhar...

A tua raça quer partir, guerrear,
sofrer, vencer, voltar.

A minha, não quer ir nem vir.

A minha raça quer passar.



(Cecília Meireles)

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